domingo, 26 de agosto de 2012

Nina (e m)im

Cá estou tirando a poeira do blogue mais abandonado da internet.

Bom, o que me trouxe aqui foi uma experiência bem maluca pela qual passei esta tarde. Nunca pensei que passaria por algo do tipo tão cedo. E foi por esse motivo (e por essa curiosidade sem fim que um dia me mata!) que aceitei prontamente o convite ou demanda feita pelo amigo Tiago Amate. 
- Eurico, to fazendo uma matéria para uma revista aqui em Brasília e queria saber se tu pode cobrir a pauta fotográfica. Preciso de fotos do Hospital Psiquiátrico Nina Rodrigues... 
- To dentro! Para quando?

Essa semana fui cumprir a missão e o que segue nas próximas linhas é uma tentativa de verbalizar o que vi e senti dentro daquele espaço que sempre existiu no meu caminho. Digo isso por um lado literal, em que o Hospital Nina Rodrigues está presente fisicamente em meu cotidiano, mesmo que seja passando de carro à caminho da Universidade. E isso, consequentemente, nos leva ao lado mais subjetivo: A curiosidade despertada e latente sobre como funcionavam as coisas atrás daquele murro laranja e amarelo.

Fui ao hospital esperando solidão e tristeza. Aquelas fotos estariam condenadas ao preto e branco, sem alegria. Fui preparado psicologicamente. Fato é que me surpreendi com o que vi por ali. E deixo claro que me envergonhei quando percebi o meu preconceito.

Não tenho a pretensão de dizer que o tratamento de pessoas com deficiências mentais esteja uma belezura completamente impecável. E, pelo sim ou pelo não, sinceramente, não tenho leitura o suficiente sobre o assunto para afirmar esse tipo de coisas ou me aprofundar sobre isso. Também tenho plena consciência de que minha visita (guiada por uma terapeuta do lugar) foi determinante para o que vi por ali e, consequentemente, formação das minhas impressões.

Mentiria se negasse que vi grosseira. Vi enfermeiros e terapeuta tratando mal e ignorando pessoas que esperavam por atendimento. Me preocupo quando percebo as pessoas que trabalham ali, de tanto lidarem com situações trágicas e tristes, acabam se desumanizando, achando aquilo normal e simplesmente virando a cara para um individuo que precisa de ajuda.

De certo também vi pessoas que acharam um lugar. Um lugar onde eles não são estranhos. Em que, por mais longe que eles estejam de seus familiares (e muitas vezes abandonados por eles), agora tem um lugar para receber o devido cuidado e atenção que merecem.

Vi sorrisos, vi amizade, vi arte. Vi pessoas extremamente curiosas e simpáticas. Talvez depois de tanta rejeição, eles só precisem de carinho.

E atenção. É isso... Ignorados pelo mundo só querem um pouco de atenção.

- Você parece um anjo! Pode me dar um abraço?
- Claro!!!
A resposta foi a mesma para as três, quatro vezes em que a pergunta foi repetida por uma senhora que se dirigia a mim a cada 5 minutos.

A dica que fica (e que vale para mim também) é conhecer esses lugares. Faça um trabalho voluntário se você puder. Leve arte e alegria para aquelas pessoas. É mais fácil do que imaginamos aprender a viver como seres humanos de verdade, procurando o bem mútuo entre nós mesmos.

Por ego, posso ter imaginado que mudei o dia aquelas pessoas. Mas logo me vem à cabeça pensamento mais sensato: O que é mudar o dia de alguém, quando esse alguém pode mudar nossas concepções de uma vida inteira.


(Por respeito à imagem dos pacientes, não publicarei as fotografias feitas no dia)

domingo, 29 de janeiro de 2012

Vivendo (o desapego) a Filosofia Hippie

Em uma ensolarada tarde do dia 2 de novembro, conhecido pelas típicas visitas aos entes queridos em seus túmulos, o dia de finados parecia fora do comum. As pessoas queimando seus corpos debaixo do sol escaldante não pareciam pensar nos que descansavam em paz.
Falando em descansar, isso o que fazia Neilton quando cheguei para entrevistá-lo, como combinado no dia anterior. Ele dormia em uma rede amarrada a dois coqueiros que se juntava a tantos outros formando uma espécie de abrigo natural. Ao som do chiado das folhas se digladiando na ventania e da bola sendo violentamente chutada logo ali na praia, o meu anfitrião era preguiça em pessoa. Confesso que senti uma ponta de inveja. Eram duas horas da tarde e o clima estava ameno embaixo dos coqueiros que brotavam da areia branca da praia de São Marcos.
Mas o que vi neste dia era um cenário diferente do que encontrei duas semanas antes. Lá havia um verdadeiro acampamento hippie em plena área nobre de São Luís. Acampamento mesmo com direito a barracas, redes e até uma cozinha e com panelas e tudo.
Tempo do Moreno
Conversei com um rapaz com uns 28 anos, descontando as rugas causadas pela exposição diária ao sol. Moreno, como era conhecido, tinha uma companheira que morava também no acampamento e um filho. Isso mesmo, morava um menino de 2 anos entre aquelas barracas e redes. O pequeno balançava seus cachinhos queimados de tanto sol correndo de lá pra cá. Moreno era baiano e, enquanto eu tocava alguns acordes em seu violão cansado de tantas viagens, sua companheira chama o pequeno hippie: - Vem pra cá, Baiano. Fico curioso e pergunto: - Ele é baiano também? – Não! É do Alagoas. Baiano é o nome dele.
Essa não é a sua primeira vez que Moreno vem ao Maranhão, já esteve por essas bandas uma vez e gostou muito. Ele também passou por Barreirinhas, bem como por vários estados do nordeste. – Tô aproveitando esse tempo enquanto o meu menino não completa cinco anos, né? Vou precisar parar de viajar porque ele vai ter que ir pro colégio.
Moreno era um sujeito tímido, mas olhava nos olhos. Eles conseguiam levantar um dinheiro legal, compravam comida no supermercado próximo dali, e preparavam tudo lá mesmo. “Tem uns parceiros aí que saíram para comprar o café da manhã para o pessoal”.
Sobre o começo do acampamento, ele ficou retraído no início, mas contou que as pessoas foram chegando e ficando por ali sem precisar pedir permissão para ninguém. Todos colaboram para comprar os mantimentos do grupo que ali está instalado. Termino a conversa quando chegam os companheiros de Moreno com o pão.
Tempo de Neilton
Com meu novo anfitrião, o teor da conversa foi diferente. Mas ele e Moreno tem uma simpatia e uma receptividade que se mostra característica. Neilton não olhava nos olhos, escondidos entre seus longos e embaraçados dreads. Entrelaçava, em uma armação de aço, fios vermelhos, amarelos e pretos de uma de suas obras-primas, suas bijuterias.
“Não sou hippie, sou um artista de rua, mano” diz Neilton. Ele explica que não se considera hippie porque muitas “pessoas ruins”, que não seguem a filosofia hippie, têm usado disso e manchado a imagem dos verdadeiros seguidores do “flowerpower”, a ideologia que surgiu no início da década de 60. Ele não queria essa vida, mas acabou se afeiçoando àquela nova situação em que estava vivendo. Deseja ter uma esposa e morar em uma casa comum, de tijolo e telhas.
No acampamento, Neilton tinha chegado há três meses. Relata que o sumiço do acampamento se deu porque as autoridades os mandaram sair. “Mas aconteceram alguns desentendimentos também. Pessoas ruins atraem coisas ruins. As coisas não estavam do mesmo jeito. Antes, eram como uma família mesmo”, fala Neilton com um ar de mistério.
A visita e o Fim
Não acordei Neilton. Deixei-o dormir. No dia seguinte, sua rede e seu quadro de bijuterias não estavam mais lá. Conversei com o último, e talvez com o primeiro dos integrantes daquele fenômeno que desafiou a sociedade, mas que segue seu rumo natural. Os hippies atuais não diferem tanto daqueles dos anos 60 e 70. Só querem viver do seu trabalho e fazer do mundo um palco para a sua filosofia e sua arte. Paz e amor para todos nós!

Texto publicado na revista Canal.com do semestre 2011.2. Segue o link da matéria na revista: http://issuu.com/canal.com/docs/canalcom6_2_1